sábado, 31 de dezembro de 2011

Ano-novo

Era ano-novo e o estádio estava quase terminado. Fazia muito calor e não chovia há três meses. O tempo quente o atrapalhava no trabalho, sempre atrapalhou. “Sol na cara não é bom para os olhos, nem para a cabeça” disse o médico do postinho na semana passada. Queria comprar para o filho um tênis, para a filha uma boneca de pano, que ela tinha gostado quando saiu com a mãe num desses passeios de tarde, e para a mulher uma blusinha, amarela com flores verdes, como a bandeira do Brasil. Gostava da bandeira e achava bonita as suas cores. Mas para comprar tudo o que queria comprar tinha que trabalhar além da conta, fazer hora extra. Não tinha carteira registrada e não recebeu o décimo terceiro, não havia jeito. Tinha que dar o máximo para também se redimir com a mulher de outras vezes, outras trapalhadas suas que deram em dura discussão e noites que não foram dormidas, por causa da culpa. Pensava na compra não apenas como forma de satisfazer as vaidades da família, mas como um pedido de desculpas. Andou pelo centro da cidade todo atrás da boneca de pano, da blusinha e do tênis. No outro dia, fez a mesma coisa e, no outro, a mesma coisa. No terceiro dia, já havia gastado o dinheiro recebido da hora extra para fazer umas compras no mercado, não havia outra coisa a fazer. O estômago – pensava ele – não precisa de frescuras, não precisa disso e chama em seco pelo dono, como um bebê que pede, aos choros, o seu leite. Dez quilos de arroz, dois molhos de tomate, cinco pacotes de macarrão parafuso, três quilos de feijão e alguns pães. Quando chegou em casa com as coisas do mercado, pensou ter feito a coisa certa. Os filhos o receberam com um abraço e, a mulher, com um sorriso quase tímido. Os filhos ficaram felizes e a mulher o perdoou – por alguns instantes, pois logo brigaram por ele ter esquecido de comprar o coxão-mole. No ano seguinte, depois das festas e das comemorações, todos puderam assistir à Copa do Mundo pela televisão, com a comida na barriga e os problemas de sempre.