domingo, 19 de junho de 2011

Cerveja, cigarros e uma carta indesejada

            O garçom colocou a cerveja gelada dentro do recipiente, pegou o pequeno copo de vidro, o suspendeu até a boca da garrafa e derramou o líquido com cuidado. Com o outro copo, repetiu o gesto.
– Mais alguma coisa?
– Não, obrigado.
– Estarei logo ali no corredor. Se precisarem, podem me chamar.
– Está certo, qualquer coisa o chamaremos.
            Estavam sentados, um de frente para o outro, numa pequena mesa localizada a um canto pouco iluminado do estabelecimento. Havia um aglomerado de gente na frente do palco, onde estava acontecendo uma apresentação de música regional. As pessoas riam embriagadas, levantando os braços e acompanhando desordenadamente a cantoria.
– O pessoal está bem animado, não é mesmo?
– Sim, estou vendo. Parece um bando de ovelhinhas comemorando a limitada liberdade concedida pelo sistema.
– Pare de ser tão radical, Pedro, eles estão apenas se divertindo.
– Dizer a verdade não é ser radical. O que acontece é que encobrimos o mal para nos adaptarmos ao sistema, para que as pessoas gostem de nós e não nos critiquem. Eu não tenho medo de ser criticado, portanto, a verdade para mim tem que ser dita, mesmo que me custe a reputação.
– A sua reputação já está bem comprometida por conta desses comentários que você anda fazendo. Depois que você entrou para esse partido, fica falando esse monte de coisas que afastam as pessoas.
– Não é o partido que afasta as pessoas, mas a verdade.
– Como é difícil conversar com esse meu ursinho lindo!...
– Fale baixo, por favor.
– Baixo? Por quê? Está com vergonha de mim? Fique tranqüilo, as pessoas estão todas ocupadas curtindo a – como é que você diz mesmo? “Liberdade limitada”.
            Riram juntos. Tomaram cerveja de forma sincronizada. Pedro acendeu um cigarro após o longo gole. Soltou a fumaça devagar, olhando-a, como quem aprecia o movimento épico de uma dançarina de balé clássico.
– Eu adoro beber depois que saio do trabalho. Todos deveriam ter esse direito, sem exceção. Imagine se tivéssemos dinheiro para beber todos os dias?
– Ia ser engraçado.
                – Por que engraçado?
– Quando você fica bêbado, fica engraçado.
– Engraçado? Como assim?
– Sei lá! Fica com cara de sono e falando meio lento. Apesar disso, fala sem parar. Aliás, quando você está bêbado, você não fala, dá palestra, e com a voz molinha, molinha. Eu acho engraçado, mas gosto.
– Quer dizer então que você gosta da minha voz de bêbado?
– Não da sua voz de bêbado, mas de ouvir você falar bastante. Você fica o dia todo quieto, fala muito pouco. Quando fala bastante eu gosto.
– Então, a partir de agora, eu vou falar bastante. Conversarei sobre várias coisas com o meu amor.
            Tocaram-se discretamente. Pedro acariciou o rosto à sua frente, que se mostrava belo e calmo. Passou a mão, devagar, nos cabelos louros e ressecados, deslizando os dedos nos olhos esverdeados, que se fecharam ao sentir do toque. Sentiu a face esquerda um pouco áspera e viu que havia uma marca roxa no pescoço.
– O que foi isso?
– Acidente de trabalho.
            Pedro, já começando a ficar tonto, baixou a cabeça como quem começa a refletir. Lançou seu olhar vago para uma pessoa qualquer que passava perto da mesa. Passou a mão na sua barba mal feita e limpou seus olhos, que começavam a ficar encharcados e vermelhos. Bebeu mais um gole de cerveja e continuou em silêncio.
– Não se preocupe, meu amor, é assim mesmo. Essas coisas acontecem com todos que estão nesse ramo. Se não fosse o meu trabalho, não estaríamos aqui tomando essa cerveja, não é mesmo?
– Prometo que, assim que eu conseguir um emprego mais rentável, isso tudo vai acabar.
– Pedro, meu amor, não se preocupe com isso. Você é um anjo e nós nos amamos, é isso que importa. Não fique tão preocupado comigo, você já tem as suas preocupações.
            Mais uma vez, Pedro enxugou as lágrimas que começaram a escorrer pelo seu rosto. Levantou-se rapidamente, de forma que ninguém percebesse o seu estado. No banheiro, lavou o rosto com uma grande quantidade de água. Olhou para o espelho e viu que seus olhos ainda estavam inchados. Esperou mais um pouco e voltou para a mesa que, para o espanto do rapaz, estava vazia.
            Olhou para todos os cantos do estabelecimento. Não vendo ninguém, voltou à mesa para tentar encontrar algum sinal de vida da sua companhia. Sentou-se devagar e esperou um pouco.
– O senhor que estava na mesa pediu para que eu lhe entregasse esse papel – disse o garçom meio embaraçado.
– Ele foi embora?
– Sim, saiu às pressas depois de receber um telefonema.
            Com as mãos trêmulas, abriu o papel devagar. Era uma pequena folha branca manchada de restos de cerveja, na qual estava escrita, de caneta vermelha, uma pequena mensagem.
“Tive que sair às pressas. Recebi um telefonema de um cliente importante que precisava do meu trabalho. Peço-lhe desculpas pelo transtorno. Deixei a cerveja que tomamos paga e um pouquinho de dinheiro embaixo do porta-guardanapos. Se quiser, não precisa me ligar de volta, pois compreendo como deve estar sendo difícil esta situação para você. Só quero que você não se esqueça que é a pessoa mais linda e mais especial que já conheci. Te amo muito.
                                                                                                                      M.A”
            Dobrou o papel que acabara de ler e colocou-o no bolso.
– Obrigado, senhor. Pode me pegar mais uma cerveja?
– Pois não, mais alguma coisa?
– É só.
            Enquanto esperava a cerveja, pegou o único cigarro que se encontrava no pacote. Com o isqueiro, tentou, sem sucesso, acendê-lo. Na segunda tentativa, conseguiu acender apenas uma parte da ponta, o que foi suficiente para que Pedro continuasse a admirar a fumaça saindo, leve e triste, dançando com o vento. como se fosse uma bailarina entorpecida.

2 comentários:

  1. Estás virando um bom contador de histórias.
    Muito boa.
    Beijos

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  2. Olá Edilva...

    Muito obrigado. Sua opinião é muito importante e muito bem vinda no blog, mesmo que seja para fazer críticas.

    Grande Beijo.

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