domingo, 7 de agosto de 2011

A chuva

Embora tivesse cessado a chuva, o asfalto ainda estava molhado e as pessoas se mantinham quietas no silêncio caseiro, guardado pelas paredes de suas casas populares. Sozinho, ele andava em passadas tensas, enquanto a imagem trazida pelas lembranças era refletida nos olhos meio perdidos.
Os cabelos acompanhando o vento, o colo moreno, as unhas feitas com o cuidado de artista. Havia um tempo em que não prestava tanta a atenção nos detalhes. Tinha na memória apenas a imagem do quarto, a cama vazia, e quando ela chegava cansada do trabalho, se olhavam e se abraçavam num ânimo que se confundia, ora com o amor, ora com o afeto.
Ela reclamava dos seus olhos distantes, da sua insegurança, da sua maneira desleixada de se vestir. Ele rebatia com discursos, mas não adiantava. Ambos sentiam que o muro entre os dois já fora construído e sua dureza ainda se mantinha intacta. Mesmo assim insistia, comprava presentes, acordava cedo e fazia, antes que ela acordasse, o café da manhã. Ela agradecia com um beijo tímido, um abraço amigo e desentendido do verdadeiro motivo daquele gesto. Segurando-a pela cintura, ainda tentava animá-la, deslizando os lábios pelo pescoço, da forma como ela sempre o elogiava. Mas o calor amante do abraço, aos poucos, ia se esvaindo, o corpo se contraía e as mãos escorregavam decepcionadas pelo quadril.
Era uma situação dentro da qual tinha se acomodado. A normalidade dos fatos começava a prendê-lo em casa, e passava o dia sentado na poltrona grande, no meio da sala. Os programas de TV vieram a ser a sua diversão diária. Não havia mais poesia no final do dia, nem as conversas que atravessavam o silêncio do quarto, e nem a vontade de se olharem no escuro, na hora de dormir.
Antes, achava que era culpa do tempo, do costume, da inevitabilidade dos amantes em se tornarem irmãos, do desejo que se despede anunciando a convivência como uma possível substituta. Mas naquela noite, pisando no asfalto úmido, pensou que a culpa era mesmo dele. Poderia ter prestado mais atenção naquele jeito silencioso de dizer as coisas, que era só dela. Poderia ter olhado mais a fundo, sem a orientação do orgulho, e ver o verdadeiro sentido daquela angústia manifestada em gestos. Haveria tempo de mudar as coisas? Pensou.
Num ímpeto, voltou-se para o gato sentado em uma esquina pouco iluminada. Sentiu que o gato queria lhe dizer algo, mas não podia, havia limitações. Compreendeu aquele olhar felino como queria, e começou a caminhar um pouco mais depressa. Entrou no prédio, pegou o elevador, chegou num apartamento que ficava quase no final do corredor, tocou a campainha.
Ela abriu a porta surpresa, sorriu um sorriso sem graça e se esforçou para que ele não olhasse para o interior do apartamento. Sem que quisesse, os seus olhos foram puxados pela curiosidade da saudade. Queria saber o que tinha mudado no apartamento durante o tempo em que a distância das palavras os mantiveram separados. Olhou disfarçadamente: havia outro. Ela pediu para que ele passasse mais tarde, ele consentiu com a cabeça, sem dizer uma palavra. Ela fechou a porta enquanto o acompanhava descendo as escadas. Sentindo o dia mais pesado, ele foi embora. Chegou em casa, abriu um álbum velho de fotografias e ficou olhando o passado como quem vê um filme, até que veio, de novo, a chuva, lavando o asfalto que mal havia secado.

Um comentário:

  1. Raaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa


    achei vc também.... esses dias eu fui na facul, andado vi um ser que de longe me lembrava vc... mas era o Rodolfo.... rsrs!

    abraço

    tô seguindo aqui

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