domingo, 31 de julho de 2011

Quando estiver cansado...

...levante rápido da cama, sem arrumá-la, e vista-se com as suas roupas mais simples. Desça as escadas lentamente, como uma noiva na hora do casamento, e vá direto ao banheiro. Lá, procure um espelho, mesmo que seja pequeno, e olhe no fundo dos olhos da imagem que aparece, sem medo. Pergunte a ela sobre seus defeitos e sobre o que fizera na noite anterior. Provavelmente, ela irá repetir a mesma pergunta, como fazem os irmãos mais novos quando querem nos irritar com as suas safadezas.  Se ela não quiser lhe responder, não têm problema. Ignore tudo o que não lhe der nenhum tipo de respaldo. Depois de escovar os dentes, vá até a cozinha, onde encontrará toda a sua família tentando adivinhar o porquê de você ter bebido tanto. Não dê ouvidos àqueles que te colocam num julgo que não é o seu e resmungue qualquer coisa que lhe vier das idéias. Sente-se, cínico, na mesa como se nada tivesse acontecido e dispa-se. Seu pai, provavelmente vestido com a sua camisa de botão listrada e utilizando-se de sua voz forte e autoritária, dirá: “Coloque a camiseta, não é assim que deve se portar em uma refeição familiar”. Diga ao senhor dono da voz que você está cansado das roupas e se sentindo sufocado pelo calor por elas provocado. Ele ainda tentará convencê-lo com um discurso batido, o mesmo que percorrera todos os lares nobres da História, mas não ouça, assim como fizeram os comunas no início do século passado. Depois de comer, dirija-se para o carro, ligue-o, e vá até o rio mais próximo. Quando chegar, encoste o carro na beira, desça devagar e entre na água. Não se esqueça de focar-se apenas na curva do horizonte, em nada mais. Se chegar ao ponto em que a sua altura já não é suficiente para manter a cabeça do lado de fora, nade, o mais rápido que conseguir. Quando estiver bem longe da margem, a ponto de não distinguir exatamente a distância percorrida, deixe a água envolver todo o seu corpo e sinta-se como uma pedra em queda livre. Sentirá também o pulmão apertado. O peito irá doer um pouco e vai bater uma certa vontade de voltar. Mas não se preocupe, isso faz parte da transformação.  E quando a água invadir todo o interior de seu corpo, como um fluído alegre arrebentando as paredes feitas de marasmo e tédio, estará em um novo mundo: o mundo dos peixes.

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