“O homem não passa de uma linha quase reta que se desvia das pedras colocadas no caminho”, foi o que me disse Sebastião Pereira, duas semanas antes de morrer ao pé da velha mangueira. Essas palavras me vieram hoje de manhã como num sonho que tarda e que fazem perder boa parte do dia. E assim foi. Um domingo quase todo, perdido na tentativa de desvendar os mistérios enrolados nas entrelinhas da frase, o que me fez perder também o jogo final do campeonato, e que relato agora em prosa pouca, no sentido de socializar a perda. As pedras, provavelmente, seriam os obstáculos colocados para atrapalhar a nossa boa existência, para fazê-la triste, e dar mais intensidade à alegria que nos vem apenas no final. Ou podem ser as ideologias, essas pregadoras e levianas, que nos tiram os ensinamentos da casa e nos levam ao mundo, pregando em letras densas as suas verdades, que se chocam e se batem, exigindo nosso posicionamento. Podem também ser os amores, tristes na sua ausência e tristes também na sua presença fria e descontrolada, levando-nos aos mais absurdos buracos da loucura e tirando-nos os dias tranquilos de relva. “O homem não passa de uma linha quase reta que se desvia das pedras colocadas no caminho”, disse Sebastião Pereira, repetindo mais ou menos o que disse o poeta, sem conhecer a semântica simples daquelas palavras bonitas, escritas em versos, e colocadas na prosa irônica da eternidade, sem pedras, dificuldades, ideologias e nem amores, apenas versos.
domingo, 27 de novembro de 2011
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Eleições espanholas
Hoje, vivemos numa situação diferente de alguns anos, pelo menos no que se refere às esperanças da população em relação aos seus tutores. Não é de se espantar as inúmeras revoltas ocorrendo em vários países da Europa, levando em consideração as medidas adotadas pelos governos de nomes diferentes, mas que são as mesmas: socializar com a população a responsabilidade de contornar a crise. Quando passava por uma dessas padarias de segunda feira, vi, no jornal da manhã, o desfecho das eleições espanholas. O Partido Popular, que de popular tem apenas o nome e provavelmente a vantagem de poder aparecer na TV aberta como uma possível alternativa política, assume as rédeas de um país em crise. Como desafio, tem o compromisso de acabar com o desemprego que aumenta mais do que barata em casa velha. Talvez, qualquer bom orador, se colocando frente ao público envolvido pelo desespero e vomitando promessas empregadológicas – com influência política, é claro –, num momento desses, teria um bom resultado nessas eleições ou, se não, um amplo apoio de alguns dos mais esperançosos. Para o povo, o importante é a mudança, sem se discutir direito se essa mudança será para melhor ou para pior, discussão limitada hoje aos jornais da tarde e, de vez em quando, aos da porta da madrugada, assumindo posições bem definidas (sobre as quais prefiro silenciar os meus discursos e deixar para os entendimentos que no mundo se fazem e se consolidam). Como se um novo retrato, pregado na parede de uma sala fosca e mal pintada, mudasse o sentido que a vida segue em direção a morte. Como se uma nova babá fizesse das crianças criaturas menos doces e mais adultas, sem contar com o auxílio do tempo. Mas a mudança já se mostra em sua continuidade eterna, observada na conhecida fala “O corte de gastos se coloca como prioridade em nossa política”, assumida pelo novo presidente espanhol, antes mesmo de sua posse. Como se vê, mudam-se as formas, mas o conteúdo continua o mesmo, mostrando o verdadeiro poder do voto e guiando-nos rumo a um quarto escuro e triste, cujo interior – acredito – está prestes a ser iluminado por estrelas vermelhas e revolucionárias, dependendo apenas de nós mesmos.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
A comemoração
Hoje, quando via o comercial que mediava os dois tempos do jogo de domingo, tive uma impressão estranha que talvez alguns de vocês, leitores, também tiveram: o aniversário das Casas Bahia acontece todos os meses do ano. Se não é aniversário, é algum tipo de comemoração tão importante quanto, pois os esforços no sentido de comemorá-la são os mesmos. Mas durante alguns momentos fiquei pensando, chegando a conclusão que todos, provavelmente, já tenham chegado, sem haver a necessidade de ver o acontecido: as datas de comemoração dessa empresa, assim como de outras mais, não estão ligadas à felicidade de comemorar o dia, mas aos objetivos dessa comemoração. É mais ou menos o mesmo quando fazemos o tão conhecido “chá de cozinha”, convidando as pessoas a nos darem presentes, como sendo a exigência para poder participar da festa. Mas nas Casas Bahia as coisas se configuram de maneira um pouco diferente. Primeiro, pelo simples motivo de a comemoração não dizer respeito a quem a organiza, mas serve apenas para a alegria hipócrita de quem ordena a sua organização. Segundo, pelo fato de não se tratar de uma festa, mas de um dia que será lembrado pelos seus “associados” como sendo o pior dia do ano (ou do mês), estando longe de ser um dia de comemoração, como nos fazem acreditar as propagandas. Mas não entrarei mais em detalhes, pois jogo a vocês, leitores, idéias para se compreender o mundo (ao meu modo, é claro) e lhes digo o que o sábio dito popular reproduz em sua ciência repleta de grandeza e simplicidade: o buraco é muito mais embaixo.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
A brisa
É tempo de inverter o sentido da brisa que sopra para o oeste e mudar, de fato, caminhos que não mais estão de acordo. Cata ventos são desnecessários, pois a energia sai apenas dos braços, músculos cansados de levar consigo o mundo todo, como em momentos de noite em que o lixo some das ruas engarrafadas de alvoroço, e é carregado pelo lixeiro, sem que saibamos como o trabalho é feito. Não estou afirmando que devemos parar de carregar o mundo, não é isso. Quero apenas que o peso seja dividido por todos, sem nenhum benefício para nenhuma das partes, envolvidas nessa grande sopa de verdades incontestáveis. É tempo, enfim, de guiar o sopro da história em sentido oposto, penetrando em poros invisíveis que escancaram a boca em tempos de crise.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
As árvores e seus diálogos
Quando eu era pequeno, meu pai me levava a um bosque que ficava perto da cidade onde passei a meninice, para mostrar-me as árvores e seus diálogos. Ele dizia que elas conversavam entre si, às vezes até brigavam, mas sempre deixavam de lado as diferenças. Lembro-me que as vozes se encontravam de forma sincronizada e fácil, sem segredos nem contradições, como a definir conceitos. Eu, vestido de inocência, arregalando os olhos para o imaginário de um mundo criado às pressas, entrava em meio à conversa e dialogava, argumentando, elevando a voz para a inexplicável postura que assumiam perante a minha pouca argumentação. Mas elas eram mais espertas, mais vividas. Com a voz fina, sempre diziam coisas que me distorciam a face, e me faziam repensar o mundo, colocá-lo do avesso. Quando eu era pequeno, havia um mundo que me foi tirado, sem nenhum consentimento de minha parte, fazendo com que aquele menino quieto, arredio e feio, virasse homem, casto no que tange às falas, embora próspero na eterna prática de canalizar a raiva em manifesto, que desliza em brisa leve e vai seguindo pelos tempos - recuando em passos breves, por pura precaução - até chegar à liberdade e depois ultrapassá-la, tirando-a do reduto discursivo das ideias.
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